RESQUÍCIOS DE UMA HISTÓRIA...
SOBRAS DE UMA XEPA.
Temos, aqui, a realidade de uma história, uma
história que chega a seu fim, mostrando-nos a
pouca importância que se dá à própria história.
Fato corriqueiro de um país sem memória e
um povo destituído de sua identidade. Trágica
e triste visão dos valores invertidos de um povo
que não respeita a sua memória, mas quer ter o
seu respeito e o valor como um povo perante uma
nação. Clodovil e sua história, a quem possa
interessar, representou algo a esse país, a
essa nação e ao seu povo. O quanto determinar
o seu valor é impreciso pois para isso deveria
haver todo um resgate de história e memória
que poucos se interessam em fazer. Mas como
falar de história de um povo que não preserva
a sua história, ou pior, onde a história é
manipulada segundo vários interesses vigentes.
Porém o que se vê com o que acontece com
a memória de Clodovil é o que se vê fazer
com a nossa história. Onde muito se perde,
onde poucos se propõe a mostrar a verdade,
onde interesses mesquinhos e egoístas
adulteram os fatos e nos faz sobrar os
resquícios dessa história. Agem tal qual os
que estão à frente do povo, lembrando
que alguns deles tentaram representar o
povo no governo, seguem como sempre
a tentar sugar do dinheiro público o sangue
que os alimenta. Sangue do povo, sangue
de nossa história e agora o sangue da
história de Clodovil onde só sombraram
poucos resquícios.
A TESTEMUNHA DE UM FIM DE HISTÓRIA:
Suely Farias de Sá, mulher, mãe, artesã esmerada,
o que já responde a um perfil de mulher apreciado
e reverenciado por Clodovil, foi a nossa testemunha
ocular do fim da história de Clodovil Hernandes.
Esteve presente onde se via o fim de uma história
de vida que se fez também sua, pois ela acompanhou
a carreira de seu artista. Aprendeu, assim como muita
gente, muitas coisas, Clodovil foi uma escola na
televisão brasileira, num país em que as escolas
são o que são e a educação não é prioridade.
Clodovil foi educação num país sem educação.
A Suely esteve literalmente em um enterro, porém,
onde se viu, só faltaram vender até o caixão
do morto. E essa verdade que a Sueli Farias de
Sá nos mostra através de suas palavras.
Portanto com a palavra:
SUELY FARIAS DE SÁ.
"Cheguei à casa de Clodovil por volta das 11 horas
do Domingo, o dia estava deslumbrante. No pé
do morro, dois táxis ofereciam o trajeto até a
casa por R$5,00 por pessoa. Paguei e segui,
em alguns minutos estava frente a frente com
as entrada da casa mais famosa de Ubatuba.
Na entrada da casa recebi um pequeno papel
onde marcaram o valor de R$20,00 que se
referia ao preço para entrar na casa e na
saída seria descontado do valor de algo que,
porventura eu adquirisse. Os organizadores do
"BOTA FORA" se posicionaram na lateral do
terreno, vestidos com aventais pretos e
munidos de maquininhas passa cartão,
cobravam. Era ali onde todos deveriam
mostrar o que pegavam pela casa e
efetuariam os pagamentos. Máquinas de
cartão de crédito de todas as bandeiras
estavam disponíveis...
Entrei na pequena capela tão conhecida pelo público
brasileiro, a santa barroca estava no altar altiva, linda,
aos pés do altar, duas outras esculturas de santas
deslumbrantes. A capela estava coberta de mato e
toda embolorada...
Entrei na casa, na sala principal, a parede onde
outrora era ornamentada por quadros, denunciava
que muitos já haviam sido vendidos. Vi um quadro
pintado de Clodovil, fui informada que não estava
a venda, pois seria do instituto...
Pessoas andavam por todos os cômodos
da casa, uns carregavam camas de ferro
enferrujadas...
Alegaram custos e despesas com a manutenção
da casa, porém o que se vê é um descaso e falta
de manutenção.
outro saía com uma garrafa térmica quebrada,
a base de um abajour sem cúpula, telefones,
pratinhos de sobremesa com as iniciais de
Clodovil Hernandes eram disputados por
R$30,00 cada, tudo estava disponível...
A pátina cobre de azul as panelas de cobre,
tornando-as da cor do mar e do céu.
Vê-se assim o azul imperar.
A cozinha que Clodovil tanto curtia era de dar
dó. O mato entrava na região da pia, as portas
dos armários, todas escancaradas, sujas e
emboloradas. Em cima da linda mesa de mármore,
poucas peças sem valor esperavam para serem
levadas como o resto de frutas em final de feira.
As lindas cadeiras mostravam a ação do tempo
e do descuido. Vi um lindo livro de culinária
espanhola jogado em um canto, não havia
As pessoas, ávidas, em busca de algo que
valesse a pena comprar, circulavam sozinhas
por todos os cômodos da casa, abriam portas
dos armários, escancaravam gavetas, levantavam
colchões mofados...
No quarto de Clodovil, escova de dentes,
revistas pessoais, fronhas sujas e amareladas
jogadas pelo chão. Fui ficando tão indignada e
constrangida que me vi arrumando e dobrando
lençóis numa tentativa inútil de restabelecer a
ordem...
Toda a intimidade de Clodovil foi exposta de
maneira desrespeitosa, cruel e perversa, vi
objetos de uso extremamente pessoal, repito,
extremamente pessoal que jamais deveriam ser
expostos ao público em respeito não só da história
de um artista, mas em respeito à memória de um
ser humano...
No teto do quarto, o lindo lustre que com todo o seu
talento, Clodovil criou, envolvendo delicadas pedras de
cristais em um emaranhado de cipó, fora desmembrado,
num desconhecimento inusitado e à exclusividade da obra
de um artista. O lustre fora comprado e levado
aos pedaços, deixaram o cipó e levaram os cristais,
para mim, ali, balançando no teto, estava
a representação do caos que se transformou
toda essa história da herança de Clodovil...
aos pedaços, deixaram o cipó e levaram os cristais,
para mim, ali, balançando no teto, estava
a representação do caos que se transformou
toda essa história da herança de Clodovil...
Por todo lado eu olhava e via sinais de abandono
e descaso e o pior é que havia sim,
muita possibilidade de se preservar
tudo o que Clodovil deixou.
e descaso e o pior é que havia sim,
muita possibilidade de se preservar
tudo o que Clodovil deixou.
Ou seja a preservação era possível e não seria necessários milhões.
Até mesmo porque, em situações que envolvem nome de
celebridade, e Clodovil era uma celebridade, se trabalha com
permuta, patrocínio.
Até mesmo porque, em situações que envolvem nome de
celebridade, e Clodovil era uma celebridade, se trabalha com
permuta, patrocínio.
E mais: Clodovil tinha milhares de fãs pelo país, que
se convocados estariam disponíveis a fazer algo
pela preservação da obra
se convocados estariam disponíveis a fazer algo
pela preservação da obra
No meu tour solitário visitei o último ambiente: a biblioteca.
Em cima da mesa ainda jaziam dezenas de livros que
demostravam o gosto apurado pela leitura do dono da casa.
Me deparei com belíssimos exemplares de livros de moda
escritos em francês, livros da flora brasileira, de arranjo de
De repente, vi jogado no chão um pedaço de papel
grande, algo como meia cartolina. Era papel canson,
estava rasgado, abaixei-me e peguei, uni as duas
metades e constatei ser uma pintura de Clodovil.
Uma aquarela, era uma ilustração em aquarela de
um índio, não estava acabada nem assinada. Me
emocionei, pois já vi e sei das aquarelas pintadas
por Clodovil. Estava no chão, jogado como lixo,
um papel velho.
_O que é isso? perguntaram-me.
_O que é isso? perguntaram-me.
_É uma pintura de Clodovil, respondi.
Abruptamente retiraram-me o papel que antes
estava no chão, rasgado, e levaram dizendo:
Quinhentos reais, quinhentos reais, você vai comprar?
Ao sair dali, presenciei um tumulto causado por
alguém que estava carregando o índio. O índio
que protege a casa de Clodovil. Não sei exatamente
o que aconteceu, mas parece que o índio não estava
a venda e alguém estava carregando-o. Levando-o
embora mesmo.
pilhas de dezenas de almofadas em crochê, mofadas
e amareladas, empilhadas no chão sujo de pedregulhos,
sendo vendidas a R$25,00 cada.
Mas a casa continua lá, oca, oca. A casa está agora,
lá em cima no morro de Ubatuba. Esta sem vida e
sem alma.
Olhei mais uma vez para a casa, totalmente
descaracterizada e pensei revoltada: Bom seria
que agora caísse um temporal, mas tão grande
nesse local que a casa viesse abaixo e como em
um filme de terror, mergulhasse com todas as
suas memórias nas águas salgadas do mar.
Ela agonizou durante três longos anos e morrendo
leva a história de um artista, de um nome da moda
brasileira, de um de uma personalidade da televisão
e de um deputado eleito em uma das mais expressivas
votações do país. Clodovil não foi uma pessoa fácil,
isso todos nós sabemos, teve as suas dores e
dissabores. Foi um trabalhador e um vencedor.
Ganhou cada tostão com o suor de seu trabalho
e nunca teve o seu nome metido em falcatruas.
Quero que Clodovil, onde quer que esteja.
se isso é possível espiritualmente, quero que
ele saiba e sinta todo o meu carinho e
admiração. Quero que saiba que aprendi
muito com ele e ontem sai da casa com
mais uma lição. Uma lição de vida, valores
e seres humanos. Assim como a casa eu
também não sou mais a mesma.
Descanse em paz, Clodovil, e que
seja luz o seu caminho",
Desse bazar, quis Suely uma lembrança levar. Só que,
talvez não tenha visto ou alguém já o tivesse levado.
Essa pintura que seria um link, algo em comum entre
Clodovil e a Suely. Para Clodovil um bela pintura a
enfeitar, já para a Suely, de certa forma, as suas
gêmeas retratar.
AQUI JAZ...
Clodovil e sua história, Clodovil e sua memória.
Porém se enterra com ele tantas outras histórias,
tantas outras memórias. Se enterra também parte
de nossa própria história, pois ele foi parte dela.
DANIAN